Como entender a Reforma da Previdência

07/08/2019 15:41

Direitos

Com quem a reforma vai mexer

Nem todos os trabalhadores serão atingidos pela reforma da Previdência proposta pelo governo de Jair Bolsonaro. Saiba quem já tem direito adquirido e quem será afetado pelas novas regras de aposentadoria:

Quem será afetado pela reforma?

Todos os trabalhadores que, até a data de promulgação da reforma, não tenham preenchido todos os requisitos para se aposentar pelas regras atuais.

O que acontece com quem já pode se aposentar?

Nada.

Quem já preenche os requisitos de aposentadoria pelas regras atuais tem direito adquirido, mesmo que não tenha requerido o benefício. Ou seja, poderá se aposentar conforme a legislação atual, meses ou anos depois que a reforma entrar em vigor.

O que acontece com quem já está aposentado?

Nada.

Os atuais aposentados e pensionistas também têm direito adquirido. A mudança na legislação só afeta quem se aposentar depois que a reforma entrar em vigor – e quem, até a data de promulgação da reforma, não tiver preenchido os requisitos de aposentadoria pelas regras atuais.

 

Legislação

As regras atuais e o que pode mudar

O governo Bolsonaro quer mudar as regras da Previdência Social para limitar o rombo do INSS e dos regimes próprios dos servidores públicos. Além de alterar a legislação do atual regime previdenciário, que é de repartição simples, o governo também pretendia criar um novo regime, de capitalização, com contas individuais de previdência, acessível apenas a novos trabalhadores. Mas esse ponto foi derrubado pela Câmara dos Deputados. Assim, se quiser implantar a capitalização, o Executivo terá de enviar ao Congresso outra proposta de Emenda à Constituição (PEC). 

A intenção declarada do governo com a reforma previdenciária era que as mesmas regras fossem aplicadas à grande maioria dos trabalhadores, sejam eles do setor privado ou funcionários do governo. Mas alguns profissionais – entre eles, professores, policiais e militares – continuarão se aposentando mais cedo que os demais. E as mudanças propostas para os trabalhadores rurais foram todas descartadas pelos deputados. 

Como é (regras atuais, antes da reforma)

O trabalhador pode se aposentar por três modalidades:

  1. 1) Aposentadoria por idade: Aos 60 anos (mulheres) e 65 anos (homens), com mínimo de 15 anos de contribuição. Valor do benefício: 70% da aposentadoria integral mais 1% por ano de contribuição. Com isso, 30 anos de serviço dão direito à aposentadoria integral
  2. 2) Por tempo de contribuição: 30 anos (mulheres) e 35 anos (homens). Valor do benefício: A média dos 80% maiores salários de contribuição é multiplicada pelo fator previdenciário, que varia conforme a idade e o tempo de contribuição do segurado. Nessa modalidade, um trabalhador de 61 anos consegue aposentadoria integral se somar 41 anos de contribuição, por exemplo
  3. 3) Regra 86/96: Soma-se idade e anos de contribuição. No caso da mulher, se o resultado for 86 ela pode se aposentar – e recebendo benefício integral (equivalente à média dos 80% maiores salários de contribuição). Para o homem, a soma tem de ser de 96. Esses requisitos começaram em 85/95 e passaram a ser elevados a cada dois anos a partir do fim de 2018, até chegar a 90/100 do fim de 2026 em diante

A contribuição à Previdência varia de 8% a 11% do salário, limitada ao teto do INSS (de R$ 5.839,45 em 2019)


Como fica (novas regras, após a reforma)

Aposentadoria aos 65 anos para homens e 62 anos para mulheres, com mínimo de 15 anos de contribuição. A exceção é para homens que ingressarem no mercado de trabalho após a vigência das novas regras: eles terão que contribuir por, no mínimo, 20 anos.

Valor da aposentadoria: Mulher: 60% da média dos salários de contribuição mais 2% para cada ano que exceder os 15 anos de contribuição; com isso, 35 anos de contribuição dão direito a aposentadoria integral, isto é, de 100% da média salarial. Homem: 60% da média dos salários de contribuição mais 2% para cada ano que exceder 20 anos de contribuição; com isso, 40 anos de contribuição dão direito a aposentadoria integral.

A contribuição à Previdência vai variar conforme a faixa salarial, partindo de 7,5% (para quem ganha até um salário mínimo) e chegando a 11,68% (incidente sobre a faixa salarial que vai até R$ 5.839,45, o teto do INSS em 2019). Esses porcentuais são as alíquotas efetivas, que representam o desconto sobre o total da remuneração.

Regras de transição

Durante a transição para as novas regras, os trabalhadores poderão escolher uma dentre as quatro opções seguintes:

1) Por pontos

(regra 86/96 progressiva): Poderão se aposentar as mulheres que atingirem 86 pontos na soma de anos de idade e contribuição, e homens que alcançarem 96 pontos, desde que tenham pelo menos 30 e 35 anos de contribuição, respectivamente. A partir de 2020, esses requisitos serão elevados em um ano a cada ano (87/97, depois 88/98 e assim por diante), até chegar a 105 para homens em 2028 e 100 para mulheres em 2033, conforme tabela abaixo. O valor do benefício será calculado conforme a nova regra permanente.

Tabela de aposentadoria por pontos

ano

mulheres

homens

2019

86

96

2020

87

97

2021

88

98

2022

89

99

2023

90

100

2024

91

101

2025

92

102

2026

93

103

2027

94

104

2028

95

105

2029

96

105

2030

97

105

2031

98

105

2032

99

105

2033

100

105

2) Por idade e tempo de contribuição

A idade mínima começa em 56 anos para mulheres e 61 anos para homens, com mínimo de 30 e 35 anos de contribuição, respectivamente. Essa exigência subirá seis meses a cada ano, até chegar a 62 e 65, respectivamente, conforme tabela abaixo. O valor do benefício será calculado conforme a nova regra permanente.

Tabela de idades

ano

mulheres

homens

2019

56

61

2020

56,5

61,5

2021

57

62

2022

57,5

62,5

2023

58

63

2024

58,5

63,5

2025

59

64

2026

59,5

64,5

2027

60

65

2028

60,5

65

2029

61

65

2030

61,5

65

2031

62

65

3) Pedágio de 50%

Opção exclusiva para quem – na data da promulgação da reforma – estiver a no máximo dois anos de se aposentar por tempo de contribuição. Nesse caso, o trabalhador pagará um “pedágio” de 50%. Uma mulher com 28 anos de contribuição, por exemplo, teria de trabalhar mais dois para se aposentar pela regra atual. Após a reforma, terá de trabalhar um ano adicional (50% de dois anos), totalizando, assim, 31 anos de contribuição. Valor da aposentadoria: calculado pelas regras atuais, com incidência do fator previdenciário após cumprimento do “pedágio”.

4) Pedágio de 100%

Mulheres com pelo menos 57 anos de idade e homens com 60 ou mais poderão pagar um pedágio de 100% sobre o tempo de contribuição que falta para se aposentar pelas regras atuais. Assim, se faltavam quatro anos de contribuição, o segurado terá de trabalhar por outros quatro adicionais.

5) Por idade

Os homens poderão se aposentar aos 65 anos. As mulheres, a partir dos 60, mas para elas a exigência sobe meio ano por ano a partir de 2020, até chegar a 62 anos de idade, em 2023. Para ambos os sexos, o tempo mínimo de contribuição será de 15 anos.


 

Entenda

Por que as contas da Previdência não fecham?

A Previdência e a Seguridade Social têm déficits crescentes, de centenas de bilhões de reais por ano, atestados pela contabilidade oficial e pelo Tribunal de Contas da União. Mas há quem diga que o rombo “é uma farsa”. Entenda essa disputa e saiba por que a situação das contas é mesmo grave, não importa a metodologia adotada:


 

A previdência tem déficit ou não tem?

TEM. A arrecadação das contribuições previdenciárias (de empregados e empregadores) não é suficiente para cobrir o pagamento de aposentadorias e pensões. O saldo dessa conta, que tem aval do Tribunal de Contas da União, é negativo há muito tempo e tem piorado.

Resultado da Previdência Social, em R$ bilhões:

 Total  RGPS/INSS (setor privado)  RPPS (servidores federais)

 

E a Seguridade, também tem déficit?

TEM. A Seguridade Social reúne Previdência, Saúde e Assistência Social, e a contabilidade oficial mostra que ela é deficitária há anos. A Anfip, que representa os auditores da Receita Federal e criou uma contabilidade alternativa, sempre disse que não havia déficit na Seguridade. Mas até na conta dela o saldo ficou negativo a partir de 2016:

Resultado da Seguridade Social, em R$ bilhões:

 Segundo a Anfip  Segundo o Governo Federal

 

NÃO existe déficit

A Anfip diz que não se pode olhar só para a Previdência. Afirma que, pela Constituição, o certo é comparar receitas* e despesas** de toda a Seguridade Social (que inclui ainda Saúde e Assistência Social). Em 2016, o saldo da conta da Anfip ficou negativo, mas ela atribui isso à crise.

 Existe déficit, SIM

Os relatórios do Tesouro apontam que, desde o governo Lula, a Seguridade Social não tem superávit, e sim um déficit que cresce a cada ano.

*Principais receitas da Seguridade: Contribuições previdenciárias e sociais (tributos como Cofins, PIS/Pasep, CSLL)

**Principais despesas da Seguridade: Saúde pública, aposentadorias, pensões, auxílios, benefícios assistenciais (BPC), seguro-desemprego e Bolsa Família, além de despesas de pessoal, custeio e capital dessa área

Esses cálculos são tão diferentes principalmente por causa de três cifras:

R$ 58 bilhões

Desonerações da contribuição previdenciária: Alguns setores da economia estão livres de pagar contribuição previdenciária, ou pagam menos que outros. O cálculo da Anfip inclui esses recursos (que não são arrecadados) como se fossem receitas reais da Seguridade. Em 2018, as desonerações foram de R$ 58 bilhões.

R$ 90 bilhões

Previdência dos servidores da União: O governo inclui, no orçamento da Seguridade, as receitas e despesas da Previdência dos servidores civis e militares da União. A Anfip sustenta que esse regime não faz parte da Seguridade, e o exclui das contas. Em 2018, os regimes dos servidores registraram déficit de R$ 90 bilhões.

R$ 110 bilhões

Desvinculação de receitas da Seguridade: A Desvinculação de Receitas da União (DRU) permite ao governo usar livremente até 30% da arrecadação de contribuições sociais em áreas que não a Seguridade. A Anfip contabiliza esses recursos, que somaram R$ 110 bilhões em 2018, como receitas da Seguridade.

Qual a verdadeira situação da Previdência, então?

É grave de qualquer forma

A Previdência está tirando recursos da Saúde e da Assistência Social

A Seguridade Social reúne Previdência, Saúde e Assistência Social. Quanto mais recursos as aposentadorias e pensões consomem, menos dinheiro sobra para investir Saúde e na Assistência. Hoje essas duas áreas recebem apenas 30% do orçamento total da Seguridade.

Despesas da Seguridade, por área, em % do total

 

Pressionada pelas despesas da Previdência, a Seguridade está tirando dinheiro de outras áreas

Ainda que realmente não pertencesse à Seguridade Social, o déficit da Previdência apontado pelos cálculos oficiais não deixa de existir. Quem cobre a diferença, não importa a rubrica, é o Tesouro, ou seja, todos os contribuintes.

R$ 120 bilhões

foi o déficit da União em 2018 antes mesmo do pagamento de juros da dívida pública

O Brasil tem população jovem, mas gasta como um país de idosos

Hoje o Brasil gasta mais com Previdência que países como Alemanha e Japão, que proporcionalmente têm o triplo de idosos. Como a nossa população está envelhecendo rapidamente, se as regras não mudarem, em algumas décadas quase 1/5 do PIB será destinado a aposentadorias e pensões.

Despesa com Previdência, em % do PIB

10,5% do PIB

Essa foi a despesa do INSS e do regime dos servidores civis e militares da União em 2018. Incluindo estados e municípios, o gasto brasileiro com Previdência chega a 13% do PIB

Japão e Alemanha, países com população bem mais envelhecida, gastam entre 10% e 11% do PIB com Previdência


Fonte: Gazeta do Povo