Como entender a Reforma da Previdência
Direitos
Com quem a reforma vai mexer
Nem todos os trabalhadores serão atingidos pela reforma da Previdência proposta pelo governo de Jair Bolsonaro. Saiba quem já tem direito adquirido e quem será afetado pelas novas regras de aposentadoria:
Quem será afetado pela reforma?
Todos os trabalhadores que, até a data de promulgação da reforma, não tenham preenchido todos os requisitos para se aposentar pelas regras atuais.
O que acontece com quem já pode se aposentar?
Nada.
Quem já preenche os requisitos de aposentadoria pelas regras atuais tem direito adquirido, mesmo que não tenha requerido o benefício. Ou seja, poderá se aposentar conforme a legislação atual, meses ou anos depois que a reforma entrar em vigor.
O que acontece com quem já está aposentado?
Nada.
Os atuais aposentados e pensionistas também têm direito adquirido. A mudança na legislação só afeta quem se aposentar depois que a reforma entrar em vigor – e quem, até a data de promulgação da reforma, não tiver preenchido os requisitos de aposentadoria pelas regras atuais.
Legislação
As regras atuais e o que pode mudar
O governo Bolsonaro quer mudar as regras da Previdência Social para limitar o rombo do INSS e dos regimes próprios dos servidores públicos. Além de alterar a legislação do atual regime previdenciário, que é de repartição simples, o governo também pretendia criar um novo regime, de capitalização, com contas individuais de previdência, acessível apenas a novos trabalhadores. Mas esse ponto foi derrubado pela Câmara dos Deputados. Assim, se quiser implantar a capitalização, o Executivo terá de enviar ao Congresso outra proposta de Emenda à Constituição (PEC).
A intenção declarada do governo com a reforma previdenciária era que as mesmas regras fossem aplicadas à grande maioria dos trabalhadores, sejam eles do setor privado ou funcionários do governo. Mas alguns profissionais – entre eles, professores, policiais e militares – continuarão se aposentando mais cedo que os demais. E as mudanças propostas para os trabalhadores rurais foram todas descartadas pelos deputados.
Como é (regras atuais, antes da reforma)
O trabalhador pode se aposentar por três modalidades:
- 1) Aposentadoria por idade: Aos 60 anos (mulheres) e 65 anos (homens), com mínimo de 15 anos de contribuição. Valor do benefício: 70% da aposentadoria integral mais 1% por ano de contribuição. Com isso, 30 anos de serviço dão direito à aposentadoria integral
- 2) Por tempo de contribuição: 30 anos (mulheres) e 35 anos (homens). Valor do benefício: A média dos 80% maiores salários de contribuição é multiplicada pelo fator previdenciário, que varia conforme a idade e o tempo de contribuição do segurado. Nessa modalidade, um trabalhador de 61 anos consegue aposentadoria integral se somar 41 anos de contribuição, por exemplo
- 3) Regra 86/96: Soma-se idade e anos de contribuição. No caso da mulher, se o resultado for 86 ela pode se aposentar – e recebendo benefício integral (equivalente à média dos 80% maiores salários de contribuição). Para o homem, a soma tem de ser de 96. Esses requisitos começaram em 85/95 e passaram a ser elevados a cada dois anos a partir do fim de 2018, até chegar a 90/100 do fim de 2026 em diante
A contribuição à Previdência varia de 8% a 11% do salário, limitada ao teto do INSS (de R$ 5.839,45 em 2019)
Como fica (novas regras, após a reforma)
Aposentadoria aos 65 anos para homens e 62 anos para mulheres, com mínimo de 15 anos de contribuição. A exceção é para homens que ingressarem no mercado de trabalho após a vigência das novas regras: eles terão que contribuir por, no mínimo, 20 anos.
Valor da aposentadoria: Mulher: 60% da média dos salários de contribuição mais 2% para cada ano que exceder os 15 anos de contribuição; com isso, 35 anos de contribuição dão direito a aposentadoria integral, isto é, de 100% da média salarial. Homem: 60% da média dos salários de contribuição mais 2% para cada ano que exceder 20 anos de contribuição; com isso, 40 anos de contribuição dão direito a aposentadoria integral.
A contribuição à Previdência vai variar conforme a faixa salarial, partindo de 7,5% (para quem ganha até um salário mínimo) e chegando a 11,68% (incidente sobre a faixa salarial que vai até R$ 5.839,45, o teto do INSS em 2019). Esses porcentuais são as alíquotas efetivas, que representam o desconto sobre o total da remuneração.
Regras de transição
Durante a transição para as novas regras, os trabalhadores poderão escolher uma dentre as quatro opções seguintes:
1) Por pontos
(regra 86/96 progressiva): Poderão se aposentar as mulheres que atingirem 86 pontos na soma de anos de idade e contribuição, e homens que alcançarem 96 pontos, desde que tenham pelo menos 30 e 35 anos de contribuição, respectivamente. A partir de 2020, esses requisitos serão elevados em um ano a cada ano (87/97, depois 88/98 e assim por diante), até chegar a 105 para homens em 2028 e 100 para mulheres em 2033, conforme tabela abaixo. O valor do benefício será calculado conforme a nova regra permanente.
Tabela de aposentadoria por pontos
ano |
mulheres |
homens |
---|---|---|
2019 |
86 |
96 |
2020 |
87 |
97 |
2021 |
88 |
98 |
2022 |
89 |
99 |
2023 |
90 |
100 |
2024 |
91 |
101 |
2025 |
92 |
102 |
2026 |
93 |
103 |
2027 |
94 |
104 |
2028 |
95 |
105 |
2029 |
96 |
105 |
2030 |
97 |
105 |
2031 |
98 |
105 |
2032 |
99 |
105 |
2033 |
100 |
105 |
2) Por idade e tempo de contribuição
A idade mínima começa em 56 anos para mulheres e 61 anos para homens, com mínimo de 30 e 35 anos de contribuição, respectivamente. Essa exigência subirá seis meses a cada ano, até chegar a 62 e 65, respectivamente, conforme tabela abaixo. O valor do benefício será calculado conforme a nova regra permanente.
Tabela de idades
ano |
mulheres |
homens |
---|---|---|
2019 |
56 |
61 |
2020 |
56,5 |
61,5 |
2021 |
57 |
62 |
2022 |
57,5 |
62,5 |
2023 |
58 |
63 |
2024 |
58,5 |
63,5 |
2025 |
59 |
64 |
2026 |
59,5 |
64,5 |
2027 |
60 |
65 |
2028 |
60,5 |
65 |
2029 |
61 |
65 |
2030 |
61,5 |
65 |
2031 |
62 |
65 |
3) Pedágio de 50%
Opção exclusiva para quem – na data da promulgação da reforma – estiver a no máximo dois anos de se aposentar por tempo de contribuição. Nesse caso, o trabalhador pagará um “pedágio” de 50%. Uma mulher com 28 anos de contribuição, por exemplo, teria de trabalhar mais dois para se aposentar pela regra atual. Após a reforma, terá de trabalhar um ano adicional (50% de dois anos), totalizando, assim, 31 anos de contribuição. Valor da aposentadoria: calculado pelas regras atuais, com incidência do fator previdenciário após cumprimento do “pedágio”.
4) Pedágio de 100%
Mulheres com pelo menos 57 anos de idade e homens com 60 ou mais poderão pagar um pedágio de 100% sobre o tempo de contribuição que falta para se aposentar pelas regras atuais. Assim, se faltavam quatro anos de contribuição, o segurado terá de trabalhar por outros quatro adicionais.
5) Por idade
Os homens poderão se aposentar aos 65 anos. As mulheres, a partir dos 60, mas para elas a exigência sobe meio ano por ano a partir de 2020, até chegar a 62 anos de idade, em 2023. Para ambos os sexos, o tempo mínimo de contribuição será de 15 anos.
Entenda
Por que as contas da Previdência não fecham?
A Previdência e a Seguridade Social têm déficits crescentes, de centenas de bilhões de reais por ano, atestados pela contabilidade oficial e pelo Tribunal de Contas da União. Mas há quem diga que o rombo “é uma farsa”. Entenda essa disputa e saiba por que a situação das contas é mesmo grave, não importa a metodologia adotada:
A previdência tem déficit ou não tem?
TEM. A arrecadação das contribuições previdenciárias (de empregados e empregadores) não é suficiente para cobrir o pagamento de aposentadorias e pensões. O saldo dessa conta, que tem aval do Tribunal de Contas da União, é negativo há muito tempo e tem piorado.
Resultado da Previdência Social, em R$ bilhões:
Total RGPS/INSS (setor privado) RPPS (servidores federais)
E a Seguridade, também tem déficit?
TEM. A Seguridade Social reúne Previdência, Saúde e Assistência Social, e a contabilidade oficial mostra que ela é deficitária há anos. A Anfip, que representa os auditores da Receita Federal e criou uma contabilidade alternativa, sempre disse que não havia déficit na Seguridade. Mas até na conta dela o saldo ficou negativo a partir de 2016:
Resultado da Seguridade Social, em R$ bilhões:
Segundo a Anfip Segundo o Governo Federal
NÃO existe déficit
A Anfip diz que não se pode olhar só para a Previdência. Afirma que, pela Constituição, o certo é comparar receitas* e despesas** de toda a Seguridade Social (que inclui ainda Saúde e Assistência Social). Em 2016, o saldo da conta da Anfip ficou negativo, mas ela atribui isso à crise.
Existe déficit, SIM
Os relatórios do Tesouro apontam que, desde o governo Lula, a Seguridade Social não tem superávit, e sim um déficit que cresce a cada ano.
*Principais receitas da Seguridade: Contribuições previdenciárias e sociais (tributos como Cofins, PIS/Pasep, CSLL)
**Principais despesas da Seguridade: Saúde pública, aposentadorias, pensões, auxílios, benefícios assistenciais (BPC), seguro-desemprego e Bolsa Família, além de despesas de pessoal, custeio e capital dessa área
Esses cálculos são tão diferentes principalmente por causa de três cifras:
R$ 58 bilhões
Desonerações da contribuição previdenciária: Alguns setores da economia estão livres de pagar contribuição previdenciária, ou pagam menos que outros. O cálculo da Anfip inclui esses recursos (que não são arrecadados) como se fossem receitas reais da Seguridade. Em 2018, as desonerações foram de R$ 58 bilhões.
R$ 90 bilhões
Previdência dos servidores da União: O governo inclui, no orçamento da Seguridade, as receitas e despesas da Previdência dos servidores civis e militares da União. A Anfip sustenta que esse regime não faz parte da Seguridade, e o exclui das contas. Em 2018, os regimes dos servidores registraram déficit de R$ 90 bilhões.
R$ 110 bilhões
Desvinculação de receitas da Seguridade: A Desvinculação de Receitas da União (DRU) permite ao governo usar livremente até 30% da arrecadação de contribuições sociais em áreas que não a Seguridade. A Anfip contabiliza esses recursos, que somaram R$ 110 bilhões em 2018, como receitas da Seguridade.
Qual a verdadeira situação da Previdência, então?
É grave de qualquer forma
A Previdência está tirando recursos da Saúde e da Assistência Social
A Seguridade Social reúne Previdência, Saúde e Assistência Social. Quanto mais recursos as aposentadorias e pensões consomem, menos dinheiro sobra para investir Saúde e na Assistência. Hoje essas duas áreas recebem apenas 30% do orçamento total da Seguridade.
Despesas da Seguridade, por área, em % do total
Pressionada pelas despesas da Previdência, a Seguridade está tirando dinheiro de outras áreas
Ainda que realmente não pertencesse à Seguridade Social, o déficit da Previdência apontado pelos cálculos oficiais não deixa de existir. Quem cobre a diferença, não importa a rubrica, é o Tesouro, ou seja, todos os contribuintes.
R$ 120 bilhões
foi o déficit da União em 2018 antes mesmo do pagamento de juros da dívida pública
O Brasil tem população jovem, mas gasta como um país de idosos
Hoje o Brasil gasta mais com Previdência que países como Alemanha e Japão, que proporcionalmente têm o triplo de idosos. Como a nossa população está envelhecendo rapidamente, se as regras não mudarem, em algumas décadas quase 1/5 do PIB será destinado a aposentadorias e pensões.
Despesa com Previdência, em % do PIB
10,5% do PIB
Essa foi a despesa do INSS e do regime dos servidores civis e militares da União em 2018. Incluindo estados e municípios, o gasto brasileiro com Previdência chega a 13% do PIB
Japão e Alemanha, países com população bem mais envelhecida, gastam entre 10% e 11% do PIB com Previdência
Fonte: Gazeta do Povo